A partir da promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, o HCFMB está com a nova temporada do quadro LGPDicas, com o intuito de trazer a todos que, de alguma forma, atuam ou prestam serviços ao HCFMB informações sobre a LGPD, dicas de como implantá-la e as ações do Hospital relacionadas ao tema.

A edição de hoje elenca alguns desafios da LGPD na pesquisa, com a participação de Fábio Albuquerque Marchi, pesquisador no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

A bioinformática depende fortemente de dados de pacientes para gerar resultados valiosos e contribuir para avanços na área da saúde. No entanto, a implementação da LGPD trouxe desafios significativos, especialmente no início, quando foi necessário revisar nossos processos e práticas para garantir conformidade com a nova legislação.

Um dos maiores desafios foi lidar com a coleta e o tratamento de dados sensíveis, incluindo registros médicos e imagens, que compõem parte do nosso trabalho. Em estudos que envolvem grandes volumes de informações, a obtenção de consentimento ou reconsentimento de todos os pacientes, muitas vezes, se mostrou inviável, limitando o escopo de algumas pesquisas e gerando, até o momento, dúvidas sobre como proceder de maneira eficiente e ética.

Além disso, a LGPD exigiu que adotássemos medidas mais rigorosas de segurança da informação. Implementamos sistemas que criam hierarquias de acesso, permitindo o controle rigoroso sobre quem pode visualizar e manipular determinados dados. Esses sistemas são projetados para garantir que as informações dos pacientes sejam acessadas apenas por colaboradores autorizados, minimizando o risco de acessos não autorizados e vazamentos. A implementação de controles de acesso também assegura que até mesmo dentro de uma equipe de pesquisa, o acesso a dados sensíveis seja restrito conforme a necessidade e o nível de envolvimento de cada membro do projeto.

Particularmente no caso de imagens médicas, enfrentamos desafios adicionais. Algumas imagens, mesmo sem dados sensíveis diretamente anotados, podem ser potencialmente usadas para reconstruir rostos humanos ou identificar características pessoais. Esse risco nos levou a adotar técnicas avançadas de anonimização e, em alguns casos, a restringir ainda mais o acesso a esses dados, garantindo que apenas o pessoal absolutamente necessário tenha permissão para manipulá-los.

Embora esses desafios sejam significativos e impactem diretamente nossas atividades, a LGPD também trouxe benefícios importantes. A conscientização sobre a importância da proteção de dados aumentou consideravelmente. Hoje, temos um controle muito maior sobre os dados que coletamos e utilizamos, o que, por sua vez, aumenta a confiança dos pacientes em nossos projetos e na pesquisa científica em geral.

Entretanto, ainda enfrentamos dificuldades. A interpretação da LGPD em relação à pesquisa continua gerando dúvidas em alguns aspectos. Alguns pontos podem ser subjetivos e interpretativos, criando inseguranças e demandando tempo para resoluções. Nesse sentido, destaco a importante participação do sistema CEP/CONEP, que tem contribuído ativamente para a disseminação de conhecimento por meio de instruções e orientações para toda a área da pesquisa.

Apesar desses desafios, acredito fortemente que a LGPD é fundamental para garantir a privacidade e a segurança dos dados dos pacientes. Com o tempo e o aprimoramento das práticas, a comunidade científica certamente encontrará soluções para conciliar a proteção de dados com a necessidade de avançar em pesquisas inovadoras, especialmente aquelas que demandam um volume considerável de informações. É possível que ajustes sejam feitos na legislação para que ela possa se adaptar às especificidades da pesquisa científica, permitindo que dificuldades atuais sejam superadas de forma ética e segura.

Fabio Albuquerque Marchi
Doutor em Bioinformática pelo Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, com pós-doutorado no A.C. Camargo Câncer Center. Atualmente, é Pesquisador no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.